75Km até Machu Picchu - III
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link Somos acordadas às cinco da manhã pelo cozinheiro a bater-nos na tenda e a berrar “coca té”. Abrimos os zips gelados e metemos o bracinho de fora para recolher a caneca de alumínio a escaldar. Aos sorvos vamos ganhando coragem para sair dos sacos-cama, para tirar um par de calças e mudar umas camisolas. Temos de fazer o saco para as mulas, e desta vez metemos para lá mais uns rolinhos de roupa, que hoje o dia é o mais duro de todos. Ao pequeno-almoço chocolate-quente, cafés e chazinhos, pão, manteiga e doce de morango. E quando já estamos felizes chegam panquecas quentinhas com doce de leite, um mimo necessário para as horas que temos pela frente.
São seis da manhã e estamos todos encarapuçados a ouvir o plano do dia e as recomendações do guia. Hoje o Primo está mais sério, e volta a perguntar se nos estamos a sentir bem, se ninguém precisa de subir de mula a montanha. Mas vamos todos caminhar. A marcha lenta marca o passo e o compasso da respiração, hoje não há heróis. A subida é progressiva, é demorada, quatro horas de inclinação e teimosia, a cabeça é quem manda. Se nos deixamos cair na asfixia do fôlego ou na contracção muscular não chegamos aos 4600 metros. é preciso entreter a cabeça. Entretanto o grupo dispersa, agarramo-nos quatro, pausados e seguros, nós, a Patrícia e o Fernando – o casal espanhol. Depois agarramos o José arrastado numa subida, é um menino brasileiro de catorze anos que tem o irmão mais velho muito lá à frente. Resta-nos uma hora até ao topo, a mais difícil de todas, mas não paramos, pausados e seguros, vamos passando grupos ofegantes, decididos a dar tudo logo no arranque. A cabeça é quem manda, mesmo de olhos postos no chão. E quando chegamos ao ponto mais alto, é de cortar a respiração. O sol reflecte nas pedras pretas, a claridade encandeia de frente para o glaciar de Salkantay, do outro lado o nevado de Soraypampa e à nossa frente o desenho da cordilheira, toda vértices brancos.
Estamos derreados, mas ainda temos de chegar ao vale onde agora se montam as mesas do almoço. São só mais quarenta minutos até à erva fresca, até ao regato, até ao lugar onde há cavalos à solta, porcos e galinhas, onde podemos andar descalços e o sol volta a picar. Agora é só descer.
Mais quatro horas a travar e a descer até Qollpapampa. Fomos os primeiros a chegar, e por isso pudemos tomar banho de água quente, partilhar uma cerveja e conversar até às nove. O pior já passou.
Até amanhã.