Baños I Equador
Debaixo do vulcão

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BUM. A porta do quarto abre-se escancarada, entram correntes de ar e o ruído continua em eco. São seis da manhã, estamos debaixo de um vulcão e nem isso nos sobressalta. Agora o sono é mais forte e todos voltamos a encostar as cabeças na almofada e a adormecer no mesmo instante. é só ao pequeno-almoço que se espalha a notícia de que o vulcão acordou. Há estradas cortadas e as aldeias do outro lado da montanha estão a ser evacuadas. Mas nós estamos em Baños, e há uma montanha a proteger-nos, os ventos estão a nosso favor, e a forma da cratera inclina-se para o outro lado. é claro que também há muita fé em Deus e corações ao alto, e as pessoas de cá já não panicam a cada tossidela do Tungurahua.

Mas caramba, estamos debaixo do vulcão, já houve estrilho, fogos e fumaradas e não há maneira de o ver. Os próximos dias são provas de esforço, dores de pernas, muita perseverança e companheirismo, à cuca do vulcão. Temos um amigo novo, o Ezequiel, mais um argentino cheio de chhhhs e ssssstts – “becha bisssta” – Bella Vista – é para lá que vamos nessa mesma noite. Vendemos a ideia do fogo de artifício, das escorridas de lava, do céu encarnado, vendemos a fotografia de todas as agências de viagens de Baños, é uma oportunidade única na vida, que sorte, nunca vimos um vulcão activo. O Christof e a Anica também não, os dois alemães vão na nossa conversa e na mesma chiva até Bella Vista. Mas não foi uma bela vista, foi a verdadeira banhada. Não há maneira de as nuvens deixarem o sopé do vulcão, e se não há maneira de o ver, ao menos que se ouça alguma coisa. Só que as Chivas são carrinhas com altifalantes e desta vez trazem palhaços para a malta não se sentir enganada – dêem-lhes pão e circo – no caso água de panela e um show de riso, e já ninguém quer saber do Tungurahua. Nós batemos pé, ficámos no miradouro de frente para as nuvens, a acreditar numas abertas. De tarde tínhamos batido perna, escadas acima até ao Miradouro de La Virgen, mas por mais fé que tivéssemos, não houve nem uma aparição.

Perseverança, é a palavra. Não desistimos. Na manhã seguinte, apesar da chuva, subimos à Casa da árvore, supostamente o melhor ponto de vista para o vulcão. Estamos acima das nuvens, mas continuam a haver mais nuvens acima de nós. Que importa, há uma casa na árvore com um baloiço que deixa voar sobre o vale. Que importa, se à nossa frente as montanhas se cruzam e se abrem num horizonte verde. Que importa o vulcão, se a cada voo se sentem borboletas na barriga. Há quem se importe. O Senhor Carlos vive há vinte e dois anos ali, de frente para o Tungurahua, há vinte e dois anos que aponta e regista cada tremor, cada abalo, qualquer mudança. é de lá que vê o fumo, o fogo, as escorridas, é lá que recolhe e cataloga cinzas, piroclastos e bombas vulcânicas. Ele é um dos olhos do vulcão, e é ele quem se esconde dentro da árvore, de capacete, óculos e máscara à mercê de chuvas de cinza e pedregulhos. Hoje a televisão também veio cá, a averiguar os acontecimentos do dia anterior e a fazer muita questão que o argentino, as portuguesas e os alemães apareçam no enquadramento. Duas horas de voos e lições de vulcanologia e mais três sempre a descer até Baños. Não vimos o vulcão, mas o que nos esquecemos sempre de dizer, é que já o tínhamos visto. Do alto das montanhas, dentro de um autocarro, havia um vulcão com uma gola de neve.