San Cristobal de las Casas I México
Viva Mexico, cabrones! - I

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Esta é uma história que começa aqui, mas que não acaba aqui. Começa num dia de chuva, com grandes trovões e uma tarde inteira de sono. E começa com uma nega – “não, não vamos à noite de salsa” – ficamos enroladas em mantas e filmes enquanto se dançam as grandes terças-feiras do Revolucion. Não, não voltamos a perdê-las.

A manhã é uma mesa grande, um desayuno com gente à volta, cinco argentinos, uma alemã, as duas portuguesas. Conversa-se até os pratos se esvaziarem e planeiam-se outros pratos. Nos entretantos sai-se à rua e calçam-se chinelas, que hoje está cá um diazorro. San Cristobal de las Casas é uma cidade assim como Oaxaca, mas mais chiquita, mais riquita. Está sentada num pequeno vale com montanhas altas a olhar por ela, e depois tem aqueles corredores de casas assim baixinhas, todas cor pastel, todas com pátios lá dentro, todas a lembrar filmes épicos em que não é preciso retocar décors. Horas sentadas na Real de Guadalupe, a tardar o café e a recusar todos os cavalinhos de pelúcia, todas as fitas e pulseiras que as indígenas trazem na cesta, a dizer que não a todos os doces das caixinhas de madeira ambulante que os catraios trazem ao ombro, não, não queremos as botas engraxadas nem o tabaco da candonga que a malta da rasta e da trancinha também anda por lá a vender.

E voltamos a entrar pelo portão gradeado, que todas as vezes chia, atravessamos os arcos que dão para o grande pátio interior, avançamos para um outro corredor e há outro pátio de céu aberto. Mas se caminharmos pelo carreiro de pedra, chegamos ao alpendre e o alpendre abre todo para o jardim. Estamos outra vez na Puerta Vieja, o nosso albergue, já que até à piñacolada não havia amigos em San Cristobal. Mas aqui a história começa com um sim – “sim, queremos, gracias” – e logo à noite há fogata – “sim, sim vamos” – este é o El Dani. Mas é com os argentinos e com a alemã que se começa a partir a loiça – tequilas e tamales, margaritas, guacamole e uma fogueira para ficarmos todos mais quentinhos. E a roda não pára de alargar, mais um casal de argentinos, mais um par de ingleses, mais o Fernando, mais o Omar. A partir das duas, a conversa já descamba, a desilusão do zapatismo, os olhos do comandante Marcos, as políticas do petróleo, do narco e da Telcel. Estamos num círculo muito bem informado, vamos mandando um bitaite, vamos levantando uns porquês e também algumas indignações. Saímos da roda com um convite para ir a Chamula e a Zinacantan.

O Omar espera-nos. Caminhamos até ao mercado de San António para apanhar o colectivo, uma carrinha tipo van apinhada de gente de cá, que nos vai levar até ao pueblo – Chamula – um nome adjectivo encontrado para unir todas as etnias Maias de Chiapas - tzotzil, tzeltal, mame, tojolabal, choles. Mais tranças, saias pretas e peludas, bebés atados às costas, blusas bordadas ao peito, lenços de cores berrantes, mais sombreros, uma festa com mariachis e gente trombuda. Lá pagámos os vinte pesos, guardámos a máquina e entrámos na rara Igreja onde se bebem coca-colas e se sufocam galinhas. Só vimos as coca-colas e os olhinhos vidrados das duas alas de santos que até arrepiam. Andamos a pezinhos de lã, não se vá tropeçar na erva seca ou nas velas acesas que se espalham pelo chão. Depois saímos algo acabrunhadas para o sol do adro onde já se podem sacar fotos e fomos comer umas tortilhas com os indígenas de Zinecantan.

Volta-se à Puerta Vieja. Cinco argentinos, uma alemã, as duas portuguesas, o Fernando, o El Dani, o Omar e agora também o Alex. Tudo se junta na cozinha, cada um com os seus liquidificadores, com as suas garrafas e as suas frutas. Vai-se juntando mais gente, amigos aqui da casa, gente que não sabemos, mas que se agrupa logo à volta das colunas, quando o Fernando se lembra de abrir o Youtube e lançar, assim de uma vez só, todos os êxitos da música revolucionária ou contrarrevolucionária latino americana. Pedimos com letra, para acompanhar e berramos com eles, “puto, puto, puto”, “Ya chole chango chilango”, “Viva Mexico, cabrones”. Mas depois de um “cielito lindo”, “um besame mucho” e um “cucurucucu paloma” levaram com uma pujante “Desfolhada” – laralalalaralalalaralalalá – sim, isto é português – e entra salsa, já se dança cumbia, juntam-se as parelhas e a noite é toda a bailar. Os primeiros passos, as primeiras voltas, os primeiros troca-passos, troca-par, pisa-pés, até que se encontra o par, aquele com quem se dança até que doa a dança.

E no dia seguinte voltamos a dizer “sim” ao El Dani.