Entre muros
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alcohol Percebe-se que nos estamos a aproximar do Ocidente quando nos começa a faltar o tempo. O Ocidente começa na China, furiosamente, aceleradamente, tudo acontece na simultaneidade do que já aconteceu e do que está para acontecer. Nós apressamos o passo, acordamos com despertador, andamos a toque de caixa, a ver se ganhamos o tempo que já está perdido.
Pequim é tão grande que nem sabemos quão grande é Pequim. Durante dois dias circunscrevemo-nos ao rectângulo circular delineado a templos, pagodas, museus e memoriais, enormes edifícios em linhas orientais, comunistas, soberanas, que encarceram a cidade proibida, ao centro. Mas a cidade proibida é de livre circulação a quem paga o ingresso. Não há fachada vazia, escadaria sozinha, porta solitária ou jardim recolhido – milhares de turistas, de olhos em bico, avançam em massa, e se tentamos ficar-nos para trás, chega-nos a nova remessa de milhares de turistas a avançar em massa. A cidade proibida atordoa-nos lentamente até só restar o olhar vazio, o comentário enfastiado, o “tudo igual” em repetido vezes sete. Seriam precisos contadores de História, dormidas e comidas pelo meio, e menos ingressos, para sentir a solidão de uma cidade feita para um Imperador, fechado em muros cegos, de portas superlativas e áreas capazes de anular gente muito grande – ainda há dois dias vimos o último Imperador, a impressão com que ficámos não há maneira de se misturar com a massa.
Ao terceiro dia saímos do circuito rectangular.
O Palácio de Verão é um lugar de Inverno. Cheio de brumas e horizontes enevoados, como se fosse uma terra mística, cheia de reflexos e projeções irreais. Tarde de Domingo, tarde inteira sem estacar passo, sem tentar acelerá-lo, assim sempre numa cadência de quem vai até ao fim de um horizonte.
Ao quarto dia saímos da cidade.
A Grande Muralha. A muralha que atravessa a história da China, que demarca uma geografia de rivalidades, que trespassa mais de um milhão de operários, quase um milhão de mortos. A Grande Muralha da China são 8 mil quilómetros de falta de diplomacia. São sete metros de desconfiança por sete metros de despotismo. Custa andar por lá, custam todos os degraus, rampas, taludes e declives encrustados nas montanhas, custa o sol quente e a aragem gelada, custa o excesso de roupa que transpiramos pelo excesso de zelo que nos venderam. E custa não poder atravessar mais, não ir mais longe, não fazer a próxima montanha. Custa não poder seguir a muralha China dentro.
Todas as noites voltamos a casa.
A nossa casa é da Chiara, da Gili e do Rob. Na nossa casa toca-se e canta-se blue grass, cozinha-se pasta e shakshuka, bebem-se cervejas, rum filipino, vêem-se filmes e conversa-se até tarde. Um irlandês, uma italiana e uma israelita que por uma semana nos fazem lembrar os amigos de casa, da nossa casa das flores.