Sagada I Filipinas
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Era um pavilhão tipo pré-fabricado com folhas de zinco no telhados e chapas de alumínio nas portas, dois tapetes rolantes para a recolha de bagagens, dois aviões estacionados no hangar, um ou dois polícias, uma agência de viagens, um bar Airasia à saída, uma máquina de tirar café e duas ou três lojinhas de conveniência. Aterrámos nas Filipinas e está um calor que não se aguenta.

à nossa espera está o grupo de taxistas de boné, casaca de ganga e óculos de sol Ray ban Predator à Will Smith e Tommy Lee Jones nos primeiros tempos de Men in Black. Afixada, a fotocópia a preto e branco não engana ninguém, o destino é o terminal de autocarros e custa duzentos pesos. Ainda estamos perdidas no câmbio, mas não nos parece exagerado, também não há muito como escapar, o autocarro para Baguio parte em meia hora e na nossa cabeça ainda vamos dormir a Banaue.

Entram vendedores de amendoins, entram vendedores de pele de porco frita, entram vendedores de queijadas, entram vendedores de barritas de arroz tufado em caramelo. Há tanta gente no corredor do autocarro que temos de nos encolher todas e pedir muitas licenças para chegar ao nosso encolhido assento. Comemos duas rodelas tostadas de queijo e fiambre e dez pesos de amendoins. Temos quatro horas pela frente, não, temos cinco, não, temos seis. Sete horas de viagem para chegar à metrópole de cimo de monte às dez da noite. Já não fomos dormir a Banaue.

Acordámos na cidade das subidas e das descidas, dos jeepneys a rebentar de tinta e de gente, dos mercados em pantanas, dos prédios desengonçados e telhados coloridos, dos literais e perturbantes montes de casas. Saímos de lá com a pena de o tempo não dar para tudo.

Apanhámos mais um autocarro de janelas empenadas, vidros partidos e sem espaço de pernas, nós, uma canadiana, um chinês e um entra e sai de filipinos. Desviamos o percurso para ir à terra das grutas e dos caixões. Banaue fica para depois de amanhã, hoje vamos até Sagada. Até lá um estado de vertigem, um aperto no peito, um arrepio pela espinha, uma brisa fria. Nunca um autocarro nos levou tão alto, tão lá ao cimo e tão à berma do precipício. Uma beleza periclitante com imperfeições e dejá vus – socalcos de couves e hortaliças, casas a trepar a encosta, de tijolos à mostra e vigas de fora, sem qualquer pudor. Curva contracurva monte acima, aos ésses, aos zês, aos oitos, aos três, a escalar as sinuosas e pontiagudas Cordilleras.

é noite em Sagada. Lá fora espera-nos uma fogueira, uma caneca de café e frases soltas das conversas que vamos apanhando do lado. Enquanto se passa a garrafa de rum e os copos de vinhos troca-se Coron por Bohol, tubarões-baleia por tartarugas, praias por parques aquáticos. às tantas fizemos um grupo para ir às grutas no dia seguinte.
No office do turismo de Sagada somos registadas, deixamos os nossos nomes, nacionalidade e contactos em Portugal, só para o caso. Também pagamos o primeiros dos muitos fees ambientais, culturais, eco-qualquer-coisa, porque nas Filipinas qualquer coisa é motivo de fee.

Afinal somos sete – nós, a Janey de Toronto, o Stefan da Bretanha, o Wilson de Hong Kong e os dois guias das grutas de Sagada. Vamos às cegas, sem saber muito bem onde nos estamos a meter. Descemos as escadas a pique de degraus bem desenhados e entrámos na primeira galeria de acanhados caixões em pilha e pó de velhas ossadas do tempo em que ainda se acreditava no animismo. é ali que o Philip e o Chris acendem o petrogás, enquanto os vamos enchendo de perguntas de mãos a transpirar. Os filipinos têm um humor muito especial, cheio de zombarias e sorrisos irónicos, por isso continuámos sem perceber se as quatro horas, os precipícios escorregadios, as passagens estreitas e as escaladas e descidas labirínticas seriam bem verdade. Mas passados cinco minutos estávamos a gatinhar entre muros apertados e a passar buracos sem fundo com a ajuda da corda, do joelho, do ombro e da mão do Chris. Agarrávamos os seixos afiados com as pontas dos dedos e curvávamos as palmas dos pés para nos encaixarmos nas frinchas das rochas. Afundávamo-nos contra as paredes a poucos centímetros dos abismos, descalçávamo-nos para atravessar água até aos joelhos e pedras escorregadias. Tivemos as pernas a tremer, os braços a perder força, esfolamos joelhos, fizemos nódoas negras e feridas nos dedos dos pés. Mas fomos bravas e chegámos ao fim das quatro horas, das duas grutas e de todos os obstáculos, que sempre eram verdade. Como prémio, uma cerveja para cada um e um almoço sobre os campos de arroz.

Mas se achávamos que as subidas e descidas, as escadas e os precipícios já tinham acabado, tramámo-nos. Para chegar aos caixões suspensos nas rochas, uma das principais atrações do sítio, esfolámo-nos bem. Mas ao fim do dia ainda tivemos energia para mais uma cerveja, histórias caricatas de um casal de canadianos, aventuras de dois alemães pela Geórgia e pela Albânia, a insistência do Stefan para que ficássemos mais um dia, umas gargalhadas do Chris e muitos abraços de despedida. Caímos na cama como pedras.