Cambodia Party People
Voltamos a ser os quatro de Luang Prabang, desta vez num lugar onde balançamos as pernas em redes suspensas, onde nos recostamos em cadeiras de palhinha e mergulhamos no rio, entre conversas cruzadas, páginas do Bolaño e do Terzani, e onde dançamos até a noite acabar.
Mas a primeira paragem no Cambodja é muito mais que este refúgio de backpackers afrouxados, e basta seguir o rio para se entrar mais adentro por esta terra feita de casas de madeira e paredes de bambu erguidas sobre traves de zelo e simplicidade, que o rio está perto e as monções acabam sempre por chegar. Junto ao canal intercalam-se as cores, amarelo, verde, vermelho, azul, tapa-se a chuva com chapas de alumínio caneladas e estacionam-se os barcos à porta de casa.
Depois entra-se pelos caminhos de terra batida, flanqueados de campos de arroz seco, onde debicam as galinhas e se deixam a pastar as grandes e alvas vacas cambodjanas, levantam-se ao acaso palmeiras escavadas em altura para a escalada aos cocos e todas as horas parecem três da tarde.
Pelo caminho há bandos de crianças a chilrear “halo, halo, halo”. Atiram-se para os nossos braços, desfazem-se em sorrisos com os dentes todos, mais os que já caíram, mais as cáries à mostra, posam para a fotografia, sempre a espetar-nos com os dois dedos da vitória, atropelam-se uns aos outros para ficarem à frente, tanto à frente que temos de nos chegar atrás para os apanhar a todos. é o jogo do macaquinho do chinês, é a algazarra das caretas, é o freeze, é o cheese, são tantos passarinhos. Só desta vez, damos-lhe a câmara para as mãos, desatam a disparar em todas as direcções, cortam-nos a cabeça, apanham-nos a jeito, atiram para o chão, fazem tremer os campos de arroz e arrepiam-nos com sacadas de talento natural.
E do outro lado da estrada convidam-nos a sentar, naquela meia dúzia de cadeiras que se ajeitam em qualquer canto, e voltam-nos a servir o café espesso e duro de beber, que vamos suavizando com leite condensado. Impingem-nos doces de banana e tapioca, sumos de cana de açúcar e chá verde com gelo. São bonitos os cambodjanos, a índia está-lhes na cara, disfarçada de os olhos em bico e bocas mais pequenas e perfeitinhas. O sol vai-se deixando cair enquanto os últimos barcos desfilam em câmara lenta em direcção a um porto indistinto no horizonte.
Fizeram-se 30 km de distância, 40 minutos de gravilha, poeira e trabalhos na estrada, para três horas de Kep. Três horas em linha recta, numa paralela à linha do mar, com paragens nos pontões, nas esplanadas e nas redes enfileiradas em alpendres. A água de Kep não é nada de especial e a areia é assim a dar para o escuro, a dar para o sujo, a dar para as pedras. Mas nas esplanadas lêem guiões actores de Hollywood, desfilam chapéus de abas e fatos de banho sem costas e brincam putos loirinhos de calções às ricas e biquínis às bolas. Mais à frente a história é outra, e é aqui que paramos para o caranguejo, que diziam que era um regalo chupar as patinhas ao bicho. Nós andamos por lá a escarafunchar, a escarafunchar, que isto de não haver martelo complica a arte de bem comer caranguejo. Digere-se pelo caminho e volta-se à outra margem de rio.