Ao ritmo de Mumbai
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Não estamos dentro do compasso, sabemos um ou dois tempos, se tanto.
Fomos peritas em chegar tarde. Chegámos tarde a Dhobi Ghat, já não fomos a tempo para a Elephanta Island, por pouco que não entrávamos na Gandhi House, fomos assíduas e pontuais a todas as horas de ponta e até para a noite se fez tarde.
Mumbai é de uma cadência incerta, difícil de calcular, mais difícil ainda de acompanhar, dizemos nós. E se nos plácidos jardins da Oval não há horas para o cricket, nas ruas todas as horas estão fora de hora.
Buzinas danadas, travagens a fundo, tanjas, ultrapassagens perigosas, táxis pretos e amarelos velhos, táxis pretos e amarelos dos novos, decker buses, machimbombos, TATAs de todos os modelos, SUZUKIs, Maseratis, aceleras, motorizadas. Tudo chia, tudo esfumaça, vrrrrrrrum, é o ala que se faz tarde, é o eh-lá-oitenta-quilómetros-por-hora na marginal para a baía de Chowpatty Beach. E depois, o mar. Balões de cordel na mão de uma menina, cata-ventos coloridos a girar com a brisa do Arábico, gelados de baunilha, pés suspensos no paredão, os namorados, na praia suja de barcos encalhados e palmeiras velhas.
Subimos. As ruas que se levantam até Malabar Hill têm contornos verdes e cheiram a terra. São cortinas de uma selva instalada que se avista do alto como um todo enroscado à cidade. No topo, os jardins são uma varanda de rapinas e corvos, numa ravina para a baía, toda mar, toda betão. Mas não há varandas para o outro lado.
Do outro lado, a selvajaria. Não a estranhámos, nem tão pouco a reconhecemos. Volta-se à índia profunda do cheiro nauseabundo, do ferro velho, do escarro e do pregão. Voltam-se a descalçar os pés na lama, a estender trapos e a regatear o dia. Não encontrámos vacas sagradas, demos com cabras a lamber pósteres de cinema dos anos 60. Não vimos caderninhos de pele de camelo, nem caxemiras, nem braceletes de prata. Nos mercados vendem-se t-shirts, cartões de memória, pens, máquinas fotográficas, pósteres de Bollywood e velharias vintage. Trocam-se os rickshaws por táxis mal-humorados, de taxistas insolentes, indiferentes ao nosso cansaço. Engolem o sapo por mais 100 rupias e levam-nos dali.
Descansamos em cadeiras de pau, numa matiné bollywoodesca. Não se ouviu o hino, mas batem-se muitas palmas. é uma festa. Uma sessão de palpitações, gargalhadas e lágrimas no canto do olho. Num cinema art-déco de Mumbai.
Ao lado a Estação, na Estação comanda a hora, a hora maquina o destino, o destino desencarrilado que encarrila na Estação: Church Gate, Marine Lines, Charni Road, Grant Road, Mumbai Central, Lower Parel. E nos comboios mulheres para um lado, homens para o outro, a apertar, a premir, até que o último entre, e entra sempre mais um.
Saímos para ir à lavandaria, mas a roupa já estava toda lavada e recolhia-se a seca do estendal. Dhobi Ghat é uma espécie de aldeia da roupa branca, de enfiadas de tanques e máquinas de lavar humanas. Aqui esfregam-se, batem-se, torcem-se lençóis, toalhas, uniformes de colégio, bibes, batas de hospitais, camisas aos quadrados, camisas às riscas. Mais de cem mil peças de roupa são lavadas diariamente por cerca de cinco mil dhobis (lavadeiras/os) e estendidas metodicamente em telhados de cores e padrões.
Chegámos mesmo a tempo à hora de ponta.