Paraty I Brasil
Para nós

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“Era assim: o que quiser que tenha , tinha. Tinha arrebol? Tinha. Rouxinol? Tinha. Luar, sertão, palmeira imperial, girassol, tinha. Também tinha temporal, barranco, às vezes lamaçal.”* Tinha beija-flor? Tinha. Vaga lume, borboleta, praia deserta? Tinha. Relâmpago, chuva grossa? Tinha. Também tinha trilha, pedra, estrela cadente. E rio? Tinha. E cachoeira? Também tinha. Tinha samba, forró, bossa nova, feijão, mandioca, farofa. E cachaça, tinha? Tinha.

Era de noite quando chegámos, as casinhas brancas, sim, tinham janelas e portas em contorno azul Porto-Covo, amarelo Zambujeira, laranja, verde, vermelho Aveiro, azulejos Coimbra. A calçada, como a de muitas aldeias portuguesas que já pisámos, era de pedras em cima umas das outras e poças de água, charcos espelho de paredes, janelas e portas. Parati, quem diria. Na praça há mais que gente, chegámos em fim-de-semana de festival, a música é a de todos, os latinos. Salsa, merengue, samba, bolero, jazz, que mais queríamos? Amigos. Também tínhamos.

Há oito meses atrás estávamos nós em frente à praia de El Nido, nas Filipinas, num final de tarde nublado, quando a Fernanda deu por nós, pela conversa em português de Portugal e português do Brasil do amigo Tiago. Veio directa à nossa mesa e em quinze minutos já estávamos a falar de coxinhas de frango, da feijoada, da casa em Minas, dos amigos de lá. Bastaram esses quinze minutos para marcar o próximo encontro, dali a meses, e supostamente em Minas Gerais. Mas o encontro seguinte acabou por ser dias depois, no aeroporto de Puerto Princesa, depois de um voo adiado e adiado e de uma fome desgraçada a contar que havia um multibanco no aeroporto. Bendita Fernanda, aparece-nos assim do nada, tira-nos a barriga de misérias, arrebita-nos o ânimo e despede-se com o encontro dali a uns meses depois. Mas depois de também ter andado a viajar durante um ano, a Fernanda decide mudar de poiso, e agora já não está mais em Minas Gerais, está em Parati, à nossa espera, numa mesa de café voltada para o palco principal, com abraços, amigos e uma skol em cima da mesa. Continua linda de morrer, sorriso de covinhas e postura de bailarina cigana. A miúda que andou descalça, de saias soltas, que dormiu no mato, que acampou em ilhas desertas, que até passou um mês no deserto, que calcorreou sozinha as montanhas do Nepal, e mais, e mais e mais, só podia viver no mato, a acordar com os passarinhos, a tomar banho no rio e a plantar flores no quintal. é para lá que vamos, depois de uma noite de pandeiros, reco-recos, triângulos, violão e batucadas.

Acordar no chalé da Fernanda é continuar a sonhar, com a chilreada, com a luz entrecortada pelas árvores tropicais, com os sucos, as almofadas lá fora, o banho de rio, a mata chão de gengibre e bananeiras por todo o lado. Não dá vontade de sair de lá, mas este fim-de-semana há música nas praças e nos jardins de Parati, e quando se está em Parati, não dá vontade de sair dali. Os meninos do Vidigal já armaram o lambe-lambe, junta-se a menina do hula hoop e a criançada toda a hula pular, ligam-se as colunas à guitarra eléctrica e arrocalha-se para as esplandas, apregoam-se doces orgânicos a cantar ao desafio com o ritmo do samba. No palco principal já há focos a apontar para o público e a noite começa com uma aula de salsa e merengue, lá atrás o cheiro do pastel frito, do hot dog e as barraquinhas das pipocas e das caipirinhas. E quando o show acaba a música vem da rua numa rapsódia espontânea do cancioneiro ambulante que cada um sabe de cabeça. Fica-se até de manhã nesta roda de gente com samba no sangue. E desta vez, deitamo-nos com os passarinhos.

Até a chuva sabe bem dentro da casa de madeira iluminada a velas, com o Rodrigo Amarante a cantar baixinho, sentadas em almofadas hindus, enquanto nos vamos conhecendo melhor. Sabe tão bem enrolarmo-nos em mantas a ver o Caetano, o Gilberto, a Rita Lee e o Tom Zé, muitos anos mais novos, a espargir Tropicalismo. E cai-nos do céu a manhã azul, os biquínis apressados para a praia antes que cheguem as nuvens. Caminha-se em areais desertos, em trilhas atlânticas, a entrar por cancelas escondidas no mato e a dar com gente que escolheu viver ali.

Voltamos a acordar com o sol a bater-nos na cara. Biquínis apressados, uma caixa das frutas de comidas, tachos, pratos e talheres, mais a Camila, a Manuka, o Maninho e vinte quilómetros para Sul, com outra trilha, a pique. A praia é brava, a baía é selvagem, escondida pela encosta de mata grossa. Estamos nós e a ventania a tentar fazer fogo, a fazer fogo, a fazer uma roda naquela fogueira e a trincar espetadas de queijo fundido ao lume, a assar batatas, pimentos, cebolas e beringelas, a queimar açúcar e a juntar banana. Depois digerem-se livros e aproveita-se o último sol do dia. Entretanto trocamos as casas e o jantar é em Jabaquara – lasanha de camarão, forró, um Luau e muitas picadas de mosquito.
No dia seguinte voltamos a trocar casas e o jantar é português. O Salvador e a Pureza convidaram-nos para a grande mesa de madeira do alpendre, a pequena Lua dorme e a eléctrica Camila adormece antes da sobremesa. Os adultos conversam até tarde, e em três horas chega-se do Rio de Janeiro a Lisboa, dão-se uns saltos pela Bahia e regressa-se a Parati, a cidade que nos apresentaram há quase um ano.

Estamos prontas, a mesa, cá fora, já está posta. Falta chegar a Manuka e o Maninho. Vamos os cinco para o Rio. Kilariô.

*Chico Buarque