O lado B do Brasil
Foi a copiar notas de 50 reais que começou Porto Alegre. Dos créditos ficou a Casa de Cinema, da Casa ficou o Jorge Furtado e o Carlos Gerbase, a Ilha das Flores, o Saneamento Básico, o Homem que copiava (as tais notinhas de 50 reais) e a wish list de outros tantos da mesma onda. A onda que faz com que Porto Alegre não seja do samba, mas seja do rock, não use saia curta de trejeito piriguete, mas corte franjinhas e bigodes em jeito hipster, não veja novela, mas vá ao cinema. Porque não começar o Brasil pelo lado B?
Então comecemos pelo frio. Entramos no Brasil debaixo de um guarda-chuva, com os pés molhados e um gorro de lã a tapar as orelhas. Entramos numa roda de chimarrão e mantinhas nas pernas. Entramos pela terra dos guris de cabelo claro e olho azul, que comem branquinho e negrinho em vez de brigadeiro e que no final vão sempre dizer que está tri-bom e não “maaaassa”. Aprendemos isto na primeira hora de conversa com a Mariana, que abusava das expressões gaúchas e nos deixava “lost in translation” a cada cinco minutos, uma misturada total de “hãs!?” e de “ois!?”, até que aprendemos a gíria do sul.
Mas choveram-nos dois dos três dias que estivemos em Porto Alegre e foram precisos mais bês para os nossos planos. Foi assim que a Mariana nos levou à Fundação Iberê Camargo, ao maciço bloco branco esculpido de frente para o lago. O olhar fugiu-nos para a esquadria dos andares e corredores, para os cruzamentos e desníveis, para os súbitos pontos de fuga e inesperados pontos de vista. é só na instalação do primeiro andar, o último da nossa visita, que damos com o Siza a entrar na instalação pensada para aquele espaço em especial. Estas janelas feitas enquadramentos, estes braços de corredores e toda as distrações de simetrias e assimetrias são Siza Vieira e um Leão de Ouro na Bienal de Arquitecura em Veneza. Mas continuou a chover do outro lado da grande janela da fundação.
Janelas, muitas janelas, prédios dos anos 70, prédios dos anos zero, prédios com o ar condicionado de fora, prédios de muitas antenas, edifícios neo-clássicos, fachadas art-deco e muita gente a apanhar sol na rua. Porto Alegre é um homem que nem toda a gente acha bonito, mas quem o descobre apaixona-se pelas rugas, pelas tatuagens gastas, pela barba por fazer, pelas olheiras da noite anterior, do mês anterior. Talvez Porto Alegre não chegue a ser um lado B, é antes a faixa escondida dos mais curiosos.